Por Iara Vidal, 28/10/2024 · 14:22 hs

O Brasil não vai mais aderir à Nova Rota da Seda. O recado de Brasília à Pequim foi dado pelo principal assessor para assuntos internacionais do presidente Lula, Celso Amorim.

A decisão anunciada pelo ex-chanceler se contrapõe à uma declaração de Lula em julho passado, durante entrevista concedida a jornalistas estrangeiros em Brasília. Na ocasião, o presidente comentou que o Brasil tinha interesse em conversar com a China para aderir à Nova Rota da Seda. Nessa conversa, o objetivo seria saber em qual posição os brasileiros vão jogar. “Nós não queremos ser reserva, nós queremos ser titular”.

Para Pequim, aquela fala de Lula apontava para um “golaço” diplomático. Na ocasião, a China celebrou a possível adesão do Brasil à Nova Rota da Seda, usando o futebol como metáfora para destacar a importância da cooperação.

Agora, a sensação de quem apoia a adesão do Brasil à Nova Rota da Seda é uma espécie de 7 a 1, que remete à fragorosa derrota da seleção brasileira para o time da Alemanha, no dia 8 de julho de 2014, durante a semifinal da Copa do Mundo do Brasil. O jogo aconteceu no Estádio Mineirão, em Belo Horizonte (MG), e é considerado uma das derrotas mais marcantes na história do futebol brasileiro.

Sinergia e não adesão

Em entrevista ao jornal O Globo desta segunda-feira (28), Amorim afirmou que o governo brasileiro busca elevar as relações com a China a um novo patamar, sem a necessidade de formalizar um “contrato de adesão” à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, da sigla em inglês), o programa de investimentos chineses.

“A palavra-chave é sinergia. Não é assinar embaixo, como uma apólice de seguro. Não estamos entrando em um tratado de adesão. É uma negociação de sinergias”, disse ao jornal carioca o chanceler.

A Nova Rota da Seda já conta com cerca de 150 países signatários, mas, segundo Amorim, o Brasil avaliará os projetos que sejam de seu interesse e poderá aceitá-los ou não, de acordo com suas prioridades. “O que importa é que os projetos atendam ao que o Brasil definiu”, completou o assessor, durante entrevista.

Amorim participou de uma missão à China na semana passada, com o objetivo de discutir a visita de Estado do presidente Xi Jinping ao Brasil, que deve ocorrer em novembro, durante a cúpula do G20 no Rio de Janeiro.

Segundo o ex-chanceler, os projetos em análise entre Brasil e China podem incluir não apenas infraestrutura, mas também áreas como energia solar e veículos híbridos ou elétricos, e até serem ampliados para outros países da América do Sul.

Na última quarta-feira, em um evento em São Paulo, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, sugeriu que o Brasil deveria ser cauteloso em relação à possível adesão à Nova Rota da Seda, o que irritou Pequim.

Em resposta, a Embaixada da China no Brasil divulgou uma nota afirmando que a recomendação de Washington “desrespeita o Brasil, um país soberano, e ignora que a cooperação sino-brasileira é igualitária e benéfica para ambos”.

Gol perdido

O gol perdido pelo Brasil ao anunciar que não vai aderir à Nova Rota da Seda ocorre às vésperas da vinda ao país do presidente chinês, Xi Jinping. Está prevista uma visita de Estado dele em novembro para participar da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro e celebrar os 50 anos de relações diplomáticas sino-brasileiras celebradas este ano.

Durante sua estadia, ele participará de reuniões bilaterais com o presidente Lula para aprofundar a cooperação econômica e estratégica entre os dois países, mas agora sem adesão brasileira à Iniciativa Cinturão e Rota. Xi também deve comparecer à cúpula do G20, grupo presidido pelo Brasil este ano, onde líderes das 20 maiores economias do mundo discutirão temas globais relevantes.

Onde está a diplomacia “altiva e ativa”?

A Fórum conversou com especialistas que acompanham as relações Brasil-China sobre essa decisão brasileira de não aderir à Nova Rota da Seda.

O especialista em relações internacionais Diego Pautasso observa que o Brasil precisa fazer o cálculo da correlação de forças interna e internacional para qualquer tomada de decisão e, portanto, é preciso levar em consideração o peso e a importância dos Estados Unidos para a região e para o mundo.

Pautasso, que tem pós-doutorado em Estudos Estratégicos Internacionais, doutorado e mestrado em Ciência Política, além de graduação em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atualmente leciona relações internacionais na UFRGS e na PUC Minas. Ele também foi professor colaborador na China, na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sudoeste.

Ele questiona como essa decisão de ficar de fora da Iniciativa Cinturão e Rota se enquadra em uma diplomacia “ativa e altiva”.

“Se o Brasil tem a ambição de ter uma região externa, como o ex-chanceler [Celso Amorim] dizia, ‘autiva e ativa’, precisa ser partícipe desse processo do qual nós temos essa aspiração de reorganização do sistema internacional”, observa.

Pautasso pondera que a mensagem da fala de Amorim deixa o Brasil submisso aos desejos de Washington.

“Nós não vamos poder fazer parte do BRICS, nós não vamos poder fazer parte do Conselho de Segurança da ONU se a cada decisão houver receio excessivo acerca de desagradar os Estados Unidos”, alfineta.

Ele também alerta para a forma com que Pequim receberá essa negativa de adesão à Nova Rota da Seda.

“Tampouco seremos um parceiro confiável à China na construção de um mundo multipolar, como ativo membro dos BRICS, se não fizermos parte de um processo de integração, que é a Nova Rota da Seda, do qual já fazem parte 150 países, a grande parte deles menor, menos expressivo e mais vulnerável do que o Brasil e que aceitaram fazer parte da iniciativa chinesa justamente porque ela não suprime a soberania, não suprime a margem de manobra diplomática do país”, argumenta.

Pautasso, por fim, observa que há movimentos na política externa brasileira que destoam de determinados padrões históricos do Itamaraty e de padrões mais específicos da política externa durante os Governos Lula 1 e 2.

O governo negociou antes dessa decisão?

O professor de Direito Internacional da FGV Direito Rio e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Evandro Menezes de Carvalho, que também tem pós-doutorado na Universidade de Pequim, critica a fala de Amorim. Ele observa que falar em “contrato de adesão” não corresponde à realidade da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR).

"A ICR não se baseia em contrato de adesão. Não é um tratado multilateral de livre comércio proposto pela China, mas uma proposta de parceria apresentada pela China para uma relação comercial, financeira e de pessoas no âmbito da ICR cujos termos estão para ser negociados com cada parte.

Carvalho afirma que a questão que está em aberto diante do anúncio de Amorim é a seguinte: o governo brasileiro sentou para ouvir e negociar as vantagens e as condições para participar da ICR?

“Se não, como se rejeita algo que não se sabe o que ganha e como contribuir? Se sim, quais as razões então que fundamentaram a decisão de não participar? Do modo como posto pelo ex-ministro, as razões não estão claras. É para diversificar as parcerias? Então porque não procurar negociar esta diversificação no âmbito da ICR que conta com 150 países participantes?”, questiona.

Falta de foco na política externa brasileira

Para Hugo Albuquerque, advogado e analista de geopolítica, a Iniciativa Cinturão e Rota já foi assinada por vários países, inclusive com recorte mais liberal do que o Brasil, como o Chile. Ele classifica a Nova Rota da Seda como um importante marco para a circulação de mercadorias e investimentos.

“O Brasil não assinar isso com seu maior parceiro internacional, a China, enquanto insiste na assinatura do acordo Mercosul-União Europeia, que é criticado inclusive pelo liberal Macron na França e muitos setores na Europa e Mercosul, consiste em uma falta de foco da política externa - cujas causas devem ser mais bem investigadas, mas sugere uma sujeição estratégica aos EUA ou a tentativa de encontrar um meio-termo que, a rigor, não existe”, analisa.

7 a 1 de Washington sobre a China?

A decisão brasileira de não aderir à Nova Rota da Seda circula em Brasília desde a semana passada. De acordo com fontes da Esplanada, Lula recuou de confirmar o time brasileiro como titular na iniciativa liderada por Pequim diante de uma campanha interna no próprio governo liderada pelo Itamaraty.

A diplomacia brasileira, comandada por Mauro Vieira, avaliou que a adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota poderia “comprometer a soberania brasileira”. O principal articulador desse recuo de Brasília seria o diplomata Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico no Ministério das Relações Exteriores.

Esse recuo brasileiro pode ser interpretado como uma movimentação influenciada por múltiplos fatores, entre eles as pressões de Washington. A relação do Brasil com os Estados Unidos, particularmente no governo Lula, tem sido caracterizada por uma tentativa de equilibrar interesses com grandes potências globais, mantendo uma diplomacia independente.

A postura dos EUA, que vê com desconfiança a crescente influência chinesa na América Latina, pode ter exercido uma pressão significativa para que o Brasil evitasse um alinhamento formal com a Nova Rota da Seda. Washington tem utilizado canais diplomáticos para influenciar os países da região, promovendo acordos bilaterais e multilaterais que ofereçam alternativas aos investimentos chineses.

Diante desse cenário, fontes contam que Lula bateu o martelo de que o Brasil não faria parte do projeto chinês e que a palavra-chave seria “sinergia”, sem uma adesão formal.

A pauta da reunião agendada entre Lula e Xi em Brasília no dia 20 de novembro em Brasília está sendo reformulada sem o anúncio da adesão brasileira à Nova Rota da Seda. O tempo do encontro deverá ser reduzido.

Essa recalibragem das relações sino-brasileiras pode indicar que o Planalto busca um equilíbrio entre manter boas relações comerciais com a China e, ao mesmo tempo, evitar desagradar os Estados Unidos e seus interesses geopolíticos na região.

Independente das razões diplomáticas, a decisão anunciada por Amorim, certamente com as bênçãos de Lula, emula em Pequim um sentimento de ter sido goleado por Washington no campo brasileiro. Um gostinho de 7 a 1.

tirando as análises q colocam td como países ali, e indo pra algo mais palpável, quais seriam os setores burgueses relacionados aos EUA q fizeram lobby contra a Nova Rota? curioso não, o q os EUA ofereceu ao gov brasileiro nesse jogo ai?

faço as perguntas pra gnt quebrar a cabeça, pq é um ngc bem grande, eu ousaria dizer q nem a indústria textil estadunidense é contra a Nova Rota, eu acho q seria outros setores q vêem essa iniciativa chinesa como prejudicial a si.

  • Viet 🔻@lemmy.eco.brOP
    link
    fedilink
    Português
    arrow-up
    1
    ·
    1 day ago

    precisar a gnt precisa acho q desde q fomos colonia né? kk

    mas assim, entendo q será de uma ou de outra: no momento nossa burguesia e a burguesia estadunidense tem relações mt próximas, mas a burguesia chinesa tbm tá mt interessada em expandir no Brasil

    assim, no caso da burguesia estadunidense, fora as empresas q possui aqui, tem fundos q compram empresas brasileiras (se nao me engano tem um fundo estadunidense dono da embraer, por ex), e qndo nao isso, tem mt gringo rentista tbm.

    a burguesia chinesa vem mais recente, na industria textil é mt forte, mas tbm vem entrando na nova onda do hidrogenio verde: placas solares, eolicas, tecnologia pra produção de energia renovavel, empresas de geração de hidrogenio verde e ai vai; fora outras areas tecnologicas

    no fim enquanto a nossa classe trabalhadora nao for capaz de se organizar fora do estado burgues, numa estrutura paralela e autonoma, pra criar uma força capaz de derrubar esse estado burgues, a gnt vai conviver com isso ai, uma dualidade entre EUA e China

    acredito q eventualmente a China vai ganhar essa queda de braço, a burguesia brasileira num geral tem mt mais a ganhar trocando seu aliado

    pra nós proletariado, tem seus beneficios, mas no fim, o jogo é da burguesia, né?